Professor da área de Edificações participa de missão educacional no Timor-Leste
Guilherme Shoiti Ueda integra delegação de 12 docentes brasileiros da Rede Federal
Professor Guilherme Ueda fala sobre a Educação Profissional no Timor-Leste vestindo um tais, item cultural do vestuário do país asiático [Fotografia: arquivo pessoal]
O arquiteto Guilherme Shoiti Ueda está em Díli, capital do Timor-leste, para atuar na formação de 133 professores do Ensino Secundário Técnico Vocacional, equivalente ao Ensino Médio Integrado à formação técnica profissional oferecido pelos Institutos Federais no Brasil. A missão começou dia 5 de agosto e terá de 19 semanas, com atividades até 13 de dezembro de 2024.
A seleção ocorreu por Chamada Pública (Edital 7/2024) do Conif, o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, que reúne os reitores dos Institutos Federais e se corresponde com a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec) do Ministério da Educação (MEC), que recebeu a demanda após visita presencial de delegação do governo do país localizado no sudeste asiático e independente há apenas 22 anos.
A missão em andamento se dá em parceria com o Instituto Nacional de Formação de Docentes e Profissionais da Educação (INFORDEPE) do Timor-Leste e atende os eixos de Construção Civil, em que atua Guilherme Ueda, Produção Agrária, Tecnologia da Informação e o Contabilidade, Comércio e Secretariado, em que o professor Carlos Alberto Araripe, do Campus São Roque do IFSP, desenvolve atividades formativas. O português é uma das línguas oficiais do país, integrante da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), criada em 1996.
Delegação de 12 professores da Rede Federal de Educação Profissional, Cientifica e Tecnológica do Brasil em solo timorense [Fotografia: reprodução da internet]
Depois de 48 horas de viagem aérea, partindo de São José do Rio Preto-SP, o professor do Campus Votuporanga desembarcou no Timor-Leste no dia 30 de julho para adaptação e realização de atividades preparatórias. Da capital Díli, enviou relato a partir das primeiras semanas no país asiático. O IFSP veicula o texto integral, ilustrado por fotografias de autoria do professor:
O Timor-Leste
Jovem vendedor ambulante na Praia do Cristo, localizada na capital Díli [Fotografia: Guilherme Ueda]
“É um dos países mais jovens do mundo, tendo conquistado a independência apenas em 2002, após 27 anos de ocupação indonésia. Em 1975, conflitos internos convergiram para a independência do país em relação a Portugal, que aqui implementara a língua portuguesa.
Durante os anos que se seguiram, a língua portuguesa foi proibida e virou símbolo da resistência à ocupação do país vizinho (Indonésia): Neste período, grupos contrários à ocupação resistiam em assentamentos nas regiões montanhosas do país, utilizando a língua portuguesa para impedir que os inimigos compreendessem sua comunicação.
Apesar disso, a língua indonésia, o Bahasa foi implementado como língua obrigatória nas escolas, e o uso do português considerado crime.
Hoje, as cerca de 1,4 milhão de pessoas que aqui vivem falam 33 dialetos diferentes, e têm como línguas oficiais o Tétum e o Português. Além disso, o Bahasa é altamente disseminado por conta do longo período de sua imposição nas escolas, além de ser requisitado para estudos acadêmicos, frequentemente cursados no país vizinho. Os dialetos são a língua materna da maioria dos nativos, enquanto o Tétum é aprendido nas escolas e se tornou o meio mais comum de comunicação; o português e o inglês são também línguas obrigatórias nos currículos do ensino médio, e outras línguas como o Bahasa, o Malaio e até mesmo o Coreano são ofertados como línguas opcionais; e, como as oportunidades de emprego são escassas, os estudantes procuram aprender várias línguas, na esperança de uma colocação melhor nos respectivos países.
Dessa forma, o país é permeado por uma grande mistura de culturas; o Tétum incorporou ao longo dos anos inúmeras palavras da língua portuguesa, embora a estrutura da língua seja totalmente diferente da nossa. O país é o único na Ásia a ter a língua portuguesa como oficial.”
A vida em Díli
As vans microlet são comuns no dia-a-dia da capital Díli [Fotografia: Guilherme Ueda]
“O pequeno país, cuja população ainda é majoritariamente rural, ocupa a porção leste da ilha em que se situa, enquanto o restante é território indonésio. O território marítimo possui características que atraem interesses internacionais, como uma vala submarina de importância estratégica, por permitir a passagem de submarinos de forma indetectável e jazidas de petróleo na área que separa o país do norte da Austrália.
Dessa forma, diversos países atuam para conquistar mais influência sobre o país, criando aqui na capital uma atmosfera de metrópole, ao menos no que se refere à quantidade de estrangeiros que transitam pelas ruas.
Além do petróleo, o único produto timorense notável é o café, de excelente qualidade, produzido nas regiões mais altas. O petróleo é explorado por companhias internacionais, de forma que os royalties obtidos são a principal fonte de renda do país. Assim, a população é extremamente pobre e carente, embora o custo de vida seja bastante alto. O resultado são contrastes gigantescos, visíveis em cada canto da cidade. De um lado, hotéis que incluem uma unidade da rede internacional Hilton e supermercados com produtos de luxo, incluindo vinhos caríssimos e picanha brasileira por 44 dólares o quilo (Aliás, a moeda corrente é o dólar americano, e somente as moedas são cunhadas localmente).
A poucas centenas de metros, abundam vendedores nas ruas em barracas improvisadas, cortando carne ao ar livre e produtos de suas plantações a preços baixíssimos, vivendo em barracos precários em todas as regiões da cidade, ao lado de valas abertas de esgoto.
Nas ruas, carros e caminhonetes de luxo competem por espaço com milhares de motocicletas e as microlets, pequenas vans multicoloridas e adornadas com música altíssima e sem porta que transportam trabalhadores apertados e perigosamente pendurados para fora, ao preço de 25 centavos a corrida.
"Nos mercados, além do contraste dos preços, encontram-se produtos de todo o mundo. Surpreendentemente, a maior parte do frango e da carne bovina é de marcas conhecidas no Brasil"
Vendedora timorense no Mercado de Tais, lenço tradicional no país [ Fotografia: Guilherme Ueda]
No trânsito caótico, não há absolutamente nenhuma regra: não há preferencial nos cruzamentos, não se obedecem faixas de pedestres, ultrapassa-se por qualquer lado, os semáforos raramente funcionam, e as microlets param em qualquer lugar em que alguém queira subir ou descer, sem aviso prévio. No trânsito caótico, qualquer transgressão só é punida, no máximo, com uma buzinada, que é constante nas ruas de Díli. Para o motorista brasileiro, a mão inglesa (dirige-se ao lado esquerdo da faixa, e não ao direito, e inclusive as rotatórias são no sentido anti-horário) é apenas um dos desafios ao “pilotar” um carro por aqui. No entanto, transitar de microlet não é uma opção viável no calor de mais de 30 graus do inverno local. O lado bom é que o trânsito raramente permite velocidades acima dos 40km/h, o que torna qualquer batida menos letal. Por sinal, testemunhei – e filmei – uma colisão entre uma moto e um carro logo na primeira semana por aqui.
Nos mercados, além do contraste dos preços, encontram-se produtos de todo o mundo. Surpreendentemente, a maior parte do frango e da carne bovina é de marcas conhecidas no Brasil: Sadia, Perdigão e Seara. O leite vem da Austrália, produtos industrializados da Indonésia, da Malásia, da China, do Japão, da Coreia do Sul e de Portugal; os produtos locais se restringem a alguns legumes e hortaliças. Como muitas vezes é impossível de decifrar o rótulo, compramos os produtos pela imagem do rótulo.
Em contraste com as dificuldades do cotidiano, o Timor-Leste é um país repleto de belezas inexploradas, com praias dignas de cartões-postais, além de inúmeras localidades que incluem montanhas, trilhas e cachoeiras; a fauna marítima é uma das mais diversas do mundo, e a cultura local é rica em história e mistérios pouco conhecidos pela cultura ocidental. No entanto, para conhecer estas belezas é preciso de um guia experiente, além de potentes veículos 4x4 para enfrentar as estradas do interior.
Registro de paisagem na Praia do Cristo, em Dília (TImor-Leste) [Fotografia: Guilherme Ueda]
Além disso, apesar da beleza das praias, fora da capital elas não são frequentáveis porque são apinhadas de gigantescos crocodilos de água salgada. A falta de infraestrutura, porém, parece ser o maior empecilho para a exploração do enorme potencial turístico do país. Os conflitos recentes destruíram grande parte de tudo o que havia sido construído e dizimaram grande parte da população adulta, deixando uma população muito jovem e sem recursos, não permitindo o crescimento econômico sem o auxílio externo”.
Atuação na escola
“Acredito que eu acabe por aprender mais do que eu possa ensinar aos professores locais, mas a troca de conhecimentos é a essência de qualquer contato intercultural, e a única motivação que qualquer pessoa que sai do seu país precisa possuir para contribuir efetivamente para a educação”
Professor Guilherme Ueda (penúltimo da esquerda para a direita) com estudantes e professores timorenses [Fotografia: arquivo pessoal]
“A escola em que atuo oferece cursos técnicos – por aqui se chamam de Ensino Secundário Técnico Vocacional – em modalidade semelhante aos técnicos integrados dos IFs brasileiros. São cursos de Construção Civil, Eletricidade, Mecânica de Produção e de Automóveis e Gestão de Informática. Atuo junto a 10 professores da área técnica do curso de Construção Civil. Os professores são experientes, os mais velhos com até 30 anos de experiência na docência, com formações diversas. Há um arquiteto, engenheiros civis, bacharéis em construção civil e licenciados em educação, alguns com mestrado cursado fora do país. Felizmente, a maioria deles compreende e fala razoavelmente bem o Português, ao contrário de professores de outras escolas onde alguns dos colegas brasileiros atuam – principalmente os alocados em outras cidades no interior – que falam somente as línguas locais.
A escola, apesar de ter sido reconstruída com colaboração do governo sul-coreano em 2014, possui instalações bastante precárias. As salas, com poucas exceções, não têm ar-condicionado nem projetor, e faltam laboratórios para as aulas práticas. Por outro lado, o departamento conta com um laboratório de marcenaria muito bem equipado (aqui a marcenaria faz parte do currículo da construção civil), e um laboratório de informática com ótimos computadores, cadeiras confortáveis e até mesmo uma impressora A1 (que infelizmente não está funcionando por não haver mão-de-obra para manutenção). Esta situação é melhor do que outras escolas onde os professores brasileiros atuam, algumas das quais não têm sequer energia elétrica. Curiosamente, nenhuma das escolas possui banheiros bem equipados, sequer para os professores locais. Estes, quando questionados qual banheiro os alunos usam, apontam com naturalidade para o mato que cresce ao lado das escolas.
"Já percebi que há uma séria dificuldade relativa à estrutura organizacional, que não conta com um quadro efetivo de funcionários administrativos – os nossos TAEs – de forma que muitas das tarefas e decisões acabam por ser realizadas pelos próprios professores"
Apesar das dificuldades com a comunicação, os diálogos têm sido proveitosos no sentido de compreender a realidade local. Os professores com quem atuo são extremamente atenciosos e respeitam muito a educação brasileira; uma professora afirma que a educação brasileira é “a melhor do mundo”, talvez porque temos o costume de conversar com os alunos de forma amigável e adaptar as aulas às suas realidades de forma compreensiva, ao contrário de professores de outros países que têm posturas mais rígidas na sala de aula. No momento, estou apenas iniciando as atividades, procurando fazer um diagnóstico da situação da escola; já percebi que há uma séria dificuldade relativa à estrutura organizacional, que não conta com um quadro efetivo de funcionários administrativos – os nossos TAEs – de forma que muitas das tarefas e decisões acabam por ser realizadas pelos próprios professores.
Meninos jogam bola em praia do Timor-Leste [Fotografia: Guilherme Ueda]
Ainda assim, os alunos conseguem produzir bons trabalhos, graças ao empenho e dedicação dos professores, que têm mostrado grande interesse em aprender mais sobre os métodos e organização do ensino nos nossos Institutos Federais.
Pessoalmente, a experiência tem sido muito enriquecedora. Apenas o contato com uma cultura tão próxima e ao mesmo tempo tão distante da nossa já proporciona um imenso aprendizado, enquanto conhecer os métodos de ensino de outro país ajudam a refletir sobre os nossos.
Acredito que eu acabe por aprender mais do que eu possa ensinar aos professores locais, mas a troca de conhecimentos é a essência de qualquer contato intercultural, e a única motivação que qualquer pessoa que sai do seu país precisa possuir para contribuir efetivamente para a educação. Espero que ao final desta jornada, eu possa ter dado uma pequena contribuição a este país tão carente de uma qualidade de vida melhor, e ao mesmo tempo consiga trazer de volta ao Brasil novos conhecimentos e muitas histórias para contar”.
Interior de um veículo microlet [Fotografia: Guilherme Ueda]
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