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Professora e Aluna do câmpus vencem concurso literário do Neabi

Publicado: Quarta, 01 de Junho de 2022, 18h29 | Última atualização em Quarta, 01 de Junho de 2022, 18h30 | Acessos: 515

A prof.ª Aliana Lopes Câmara e a discente Isabela Ágatha da Silva Conceição venceram em 1º lugar nas categorias Servidores/as não negros/as ou indígenas e discentes não negras/os ou indígenas


O Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas do IFSP (Neabi) divulgou o resultado final da 4ª edição do seu concurso literário na última quarta-feira (25/05).

A ação tem o objetivo de promover e estimular a leitura, a produção e a difusão de textos literários produzidos por alunos e servidores do IFSP autodeclarados negros, indígenas e brancos, a fim de ampliar, de forma afirmativa, a construção de relações democráticas e igualitárias. Busca, assim, dar voz a indivíduos que discutam as lutas e conquistas étnico-raciais. 

Dando continuidade à proposta iniciada em 2016, a realização do 4º Concurso Literário do Neabi abre espaço para que não negros, não negras e não indígenas também se posicionem quanto à temática antirracista.  Puderam participar estudantes, docentes, técnicos administrativos e terceirizados do IFSP, autodeclarados negros ou indígenas e também não negros, não negras e não indígenas, desde que apresentassem, em suas produções, uma reflexão sobre o lugar dos negros e indígenas na nossa sociedade. Não puderam participar membros do Neabi nem do Nugs. 

A premiação do concurso foi realizada durante o VI Congresso de Extensão e a VI Mostra de Arte e Cultura (VI Conemac), no dia 25/05/2022.

Prof.ª Aliana venceu o 1º lugar, na categoria Servidores/as não negros/as ou indígenas, com o Poema “A dor do (não) ser” e Isabela venceu o 1º lugar, na categoria Discentes não negras/os ou indígenas com o texto “Dia importante”.

O IFSP - Câmpus Votuporanga parabeniza o Prof.ª Aliana e a aluna Isabela pela iniciativa, participação e premiação no concurso literário, neste tema de tamanha relevância para nossa sociedade.

Confira abaixo os textos, na íntegra:

 

A DOR DO (NÃO) SER

“Puseram uma macaca de modelo”

Ouço e calo

Mas o som do preconceito latente ecoa silentemente

Tenho em mim todas as dores do mundo

Já não existo

Me falta resistir à dor profunda

Me falta suportar a cor desta Nação Brasileira

Nação de racistas, machistas, sexistas, escravocratas, assassinos, violadores

Me afundo em séculos de dor, me embalo nas mortes dos meus, e ressurjo ainda

viva

Minha pele fragmentada

Minha mente exausta

Meu coração dilacerado

Onde encontrar esperança?

Se o mundo me desumaniza

Se o mundo me humilha

Se o mundo me objetifica

Se o mundo me violenta

Cruel mente

Onde encontrar esperança?

E as feridas de meu corpo retumbam em minha alma

E não cicatrizam

São marcas do silêncio, da hipocrisia, da ignorância, do medo, do ódio, do silêncio

Por século e séculos

 

Onde encontrar esperança?

Da dor e do desespero, ressurjo, mais forte, e canto

Por todos os cantos, a esperança está na minha cor negra, no meu povo sofrido, nas

minhas dores

Está onde ecoa minha voz, meu canto, eu.

Aliana Lopes Câmara – Segmento: Servidores/as não negros/as e/ou indígenas – Campus: Votuporanga (Docente)

 

 

DIA IMPORTANTE

Acordei antes do meu despertador, o sol ainda não nasceu, sei disso porque não vejo a luz invadindo meu quarto pela fresta que há na janela e refletindo no espelho, iluminando todo o ambiente. A favela estava em silêncio, mais um motivo para que eu soubesse que era cedo demais. Era um dia importante, acordei várias vezes durante a noite por causa da ansiedade que tomava conta da minha mente. Aproveitei o tempo que tinha antes do alarme soar e preparei um café da manhã mais elaborado, afinal, era um dia importante. Enquanto coloco para dentro meu desjejum, aprecio a alvorada resplandecendo no morro. Até arrumaria a bagunça que fiz na cozinha preparando o café, mas havia dado a hora, precisava começar a me aprontar para dar início ao meu dia importante.

Na semana anterior, havia sido convidado por uma diretora de um colégio daqui de onde eu moro, Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, para uma palestra sobre representatividade da cultura afro-brasileira para os alunos, - e quem melhor que um ativista do movimento negro e um pequeno escritor sobre causas raciais? – disse ela. Aceitei o convite, obviamente, e esse é o evento importante do meu dia. Para algumas pessoas pode parecer banal meu nervosismo com uma simples palestra em uma escola, mas sei o impacto que palavras ditas ou mal interpretadas podem causar a um jovem, baseado em minha própria vivência. Eu fui um jovem negro, sei o que é ouvir todos os dias variados tipos de humilhações e xingamentos racistas e não poder reagir, pois ainda havia a possibilidade de jogarem a culpa em mim. E é contra isso que eu luto todos os dias, é sobre ensinar as nossas crianças a sentirem orgulho da quantidade abundante de melanina que carregamos em nossa pele. Dito isso, dediquei um tempo do meu dia a escrever um discurso para ter a certeza de que vou conseguir passar a mensagem que desejo. Talvez durante o trajeto, mude ou acrescente algumas coisas, mas por enquanto isso é o que eu tenho preparado:

 “Tudo começou quando eu nasci (típica frase que dizem seguida de uma história que na verdade não começou na gênese, o que não é meu caso), desde muito novo, precisei entender coisas que faziam uma confusão em minha mente. Como o dia em que minha mãe se sentou no sofá, e começou a me passar instruções para o caso de algum dia que fosse parado pela polícia, fiquei meio confuso. Por que os homens encarregados de cuidar das ruas e da segurança do povo parariam um menino de treze anos de idade? Aquilo ficou na minha cabeça por um bom tempo, ainda não entendia o julgamento acerca da cor de minha pele. Na escola, poucos dos meus. Na rua à noite, desacelerava o passo para que quem estivesse à minha frente não pensasse que iria causar algum mal. Me sentia seguro apenas dentro de minha casa, com minha família. Sensação essa que acabou quando ouvi mais de setenta tiros ao fim da minha rua, tiros que vieram de uma operação policial na favela que matou um garoto de quatorze anos dentro de sua própria casa enquanto brincava com seus primos. Cansado de sentir medo cada vez que saía de casa, pedindo a Deus para que não fosse confundido com algum bandido. Cansado de ouvir que cota é esmola, fala sério! É o mínimo a se fazer quando se sequestra um povo, os catequiza, os escraviza, os vende e depois os abandona sem nenhuma reparação ou muito menos suporte. Tanto criticam minha cultura, mas o que mais fazem é se apropriarem querendo nos fazer de refém. Meu sangue e o sangue dos meus irmãos e irmãs é a base dessa economia, e querem nos chamar de preguiçosos? Tenho muito orgulho da cor da minha pele e da história que ela carrega. Não vão me vencer pelo cansaço, nada vai ser em vão.” Cheguei ao meu destino, fui muito bem recepcionado pela diretora e funcionários, e assim que coloco o pé dentro do salão onde ia palestrar, todo meu nervosismo foi embora quando vi que a expressão, nos rostos dos jovens, era a mesma que eu fazia quando criança, cada vez que via gente como a gente na televisão. Representatividade importa, e hoje, me encho de euforia ao perceber que a representatividade sou eu. Longe de alcançar meu destino, mas sentindo meu futuro próximo. Entro no carro para voltar para casa, quando chego ainda sinto o sorriso estampado em meu rosto, que se desmancha assim que me deparo com a louça que deixei de manhã, me perguntando o porquê de ter saído da casa de meus pais.

Isabela Ágatha da Silva Conceição – Segmento: Discentes não negras/os e/ou indígenas – Campus: Votuporanga (Técnico em Informática Integrado ao Ensino Médio)

 Saiba mais informações sobre o concurso no site da Reitoria do IFSP.

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