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Professor lança livro sobre ensino de língua portuguesa para surdos

Publicado: Sexta, 24 de Julho de 2020, 19h54 | Última atualização em Sexta, 24 de Julho de 2020, 19h58 | Acessos: 2041

Livro é fruto de prática docente e pesquisa sobre a pessoa surda por um viés em Linguística Aplicada


 

O professor Bizio, como é conhecido no Câmpus Votuporanga, em ação no primeiro I Simpósio de Inclusão, em 2019 [foto: arquivo do IFSP]


 

O professor Lucimar Bizio lançou, neste mês de julho, o livro "O Ensino de Língua Portuguesa Escrita para Surdos: Algumas Considerações", texto que atualiza sua dissertação de mestrado de 2008 com a experiência acumulada na última década. Graduado em Letras e Pedagogia, o profissional tem mais de 15 anos de experiência na Educação Especial.

 

Natural de Álvares Florence, município vizinho a Votuporanga, Bizio ingressou no IFSP em março de 2019, deixando as redes públicas estadual e municipal de ensino. Na capital paulista, em que vive há quase trinta anos, Bizio foi professor da EMEBS Profª Neusa Bassetto, no bairro da Mooca, uma das 6 escolas bilíngues de surdos mantidas pelo poder público daquele município.

 

No Câmpus Votuporanga, Bizio leciona Língua Portuguesa em disciplinas obrigatórias e a Língua Brasileira de Sinais (Libras) em disciplinas optativas e obrigatórias, como é o caso do curso de Licenciatura em Física.

 

Na Extensão, o professor também está a frente de cursos de Formação Inicial e Continuada (FICs) em Libras, tendo oferecido mais de 130 vagas entre abril de 2019 e março de 2020, quando as atividades presenciais foram suspensas no IFSP devido à crise sanitária. Entre os públicos dos cursos FICs de Libras, servidores públicos da Educação e da Saúde. Institucionalmente, Bizio também oferece Libras aos servidores do IFSP, dentro da perspectiva de formação continuada da equipe do Câmpus Votuporanga.

 

Membro do Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas (NAPNE) do Câmpus Votuporanga, o professor Bizio concedeu entrevista por email:

 

Bizio, à esquerda, interpreta atividade do I Simpósio de Inclusão a convidado surdocego [foto: arquivo do IFSP]


 

IFSP - Quando começou sua história com a Educação especial?

 

Bizio - Há dezessete anos, observei o movimento sobre Inclusão Escolar surgir com mais visibilidade, mesmo que ainda timidamente. Então, pensei em fazer algo nessa linha, por ser educador. Optei pela surdez motivado pela língua, inicialmente, por ser da Área de Letras (minha primeira Licenciatura foi Português/Inglês, em Jales). Também tive um tio surdo e meu avô paterno ficou cego ainda bem jovem. Fiz uma primeira Pós Graduação em Educação de Surdos e Curso de Libras na FENEIS (Federação Nacional de Educação e Integração do Surdo), tudo isso já na cidade de São Paulo, onde vim, no ano de 1991, para iniciar minha vida docente. Logo fiz amizade com pessoas surdas e passei a conviver com elas diariamente. Depois da Pós, iniciei o Mestrado na PUCSP, em seguida o Doutorado, para pesquisar sobre aquisição de linguagem e a relação do surdo com a língua portuguesa escrita, especialmente porque, nesta época, já trabalhava em uma das seis Escolas Bilingues para Surdos da Prefeitura de São Paulo e em uma Escola do Estado, com surdos incluídos e que possuía a Sala de Recursos.

Hoje tenho Especialização em Educação Inclusiva, Atendimento Educacional Especializado (AEE), Tecnologia Assistiva, Braille e Surdocegueira.

 

IFSP – Qual a principal contribuição do livro para os educadores da Educação Básica em 2020?

 

Bizio - O professor chega na sala de aula e percebe que não foi preparado para educar um sujeito com deficiência. Desconhece, muitas vezes, até as nomenclaturas corretas, tais como: pessoa com deficiência, surdo, cego, surdocego, cadeirante, autista e assim por diante. O livro permite ao leitor entrar em contato com uma base teórica e assim exercer a sua prática com fundamentos e não só com um conhecimento empírico, atravessado por mitos sobre a surdez. Como professor de português, preciso conhecer as principais teorias sobre língua, linguagem, a diferença entre aquisição de linguagem e aprendizagem, língua materna e segunda língua. Esses pontos, entre outros, são fundamentais no processo de ensino, especialmente em uma situação desafiadora que é ensinar português para uma pessoa que não ouve e que não fala essa língua a ser ensinada/aprendida. O que marca uma língua é sua complexidade, suas relações, interfaces. O livro toca nestas questões em uma visada muito interessante e fundamentada. Os livros não oferecem “receitas prontas”, mas sim, permite ao educador, ao pesquisador, diante de seus desafios diários, elaborar estratégias, condições de atendimento a cada aluno, que é único, com seus valores, sua maneira de funcionamento na língua, a sua deficiência, em nosso caso aqui, neste livro, pensando de forma especial a surdez.

 

 

IFSP - A crise sanitária causada pela pandemia de Sars-Cov-2 abriu, também, uma crise na educação. Se os especialistas alertam para o aumento da desigualdade no processo educacional de ensino remoto emergencial, como ficam os estudantes surdos no Brasil? Ainda mais prejudicados?

 

Bizio - O contato, a abordagem com o aluno surdo têm um ganho muito grande quando é presencial, pois a língua de sinais possui parâmetros de funcionamento em que expressões faciais e corporais são marcas importantes. Além disso, as estratégias de ensino são diferenciadas pelo tempo, pelo ritmo, abordagem. Não basta, por exemplo, apenas interpretar em Libras uma aula que foi pensada e construída para o ouvinte, em sua língua materna, em uma língua oral-auditiva. A prática para o surdo é bem diferente. Ele pode aprender todos os conteúdos, desde que se respeite princípios básicos de sua especificidade. Quando isso é ignorado, o professor se frustra, o aluno não aprende, a família se preocupa. Todos sofrem. Nesta pandemia, ensino remoto, em muitos lugares, os surdos foram inicialmente esquecidos, ignorados, ficaram fora dos planejamentos e execuções de aulas, ou seja, sem intérpretes, com nenhum material preparado para o surdo, totalmente desconsiderados do processo educativo. Isso do ensino infantil ao superior, na Rede Pública e Privada. O IFSP tem tomado devidos cuidados para não incorrer nestes mesmos erros gritantes. Tenho amigos surdos que precisaram acionar o Ministério Público para conseguir o intérprete neste tempo de pandemia. Pergunto: precisava chegar a este ponto? A pessoa com deficiência, em sua maioria, fica sempre para depois, desde a convívio familiar, em que se diz assim para o surdo, por exemplo: “depois eu te explico, depois eu resumo para você”. Esse depois, quase nunca chega. As informações sobre a pandemia chegam fragmentadas para a pessoa surda. A Saúde não está preparada para atendê-los. Na escola não é diferente. Primeiro se planeja e organiza para os demais, depois para as pessoas com deficiências. É o reforço de que minorias em nosso país são pouco privilegiadas, ou mesmo consideradas. A sensação é de que estão “atrapalhando”. Parece cruel, mas vejo muito por esse viés. Isso é inaceitável.

 

Bizio representando o IFSP no primeiro Fórum do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência, em agosto de 2019, na Câmara Municipal de Votuporanga-SP [foto: arquivo do IFSP]


 

IFSP - A Lei 10.436 completou, dia 24 de abril, 18 anos. Se, em janeiro de 2021, essa lei for tema de redação do Enem, o que um estudante de ensino médio precisa saber para produzir um texto argumentativo-dissertativo de qualidade?

 

Bizio - A Lei de Libras completou sua maioridade e ainda é bem desconhecida em nosso país. Muitas autoridades e educadores que atendem surdos, direta ou indiretamente, talvez nunca leram essa lei, só possuem conhecimento de que ela existe por citações. A probabilidade de que um adolescente/jovem tenha conhecimento da Lei de Libras, alguma discussão, é bem menor, pois não faz parte do conteúdo da escola. Assim, a produção do texto argumentativo-dissertativo pode não atingir a profundidade esperada pelos próprios examinadores do Enem. Esse aluno ser prejudicado. A Inclusão, de forma geral, ainda é tratada em um discurso superficial, assistencialista, com um cunho religioso, paternalista, piedoso. Há pouca reflexão. Não faz parte da pauta escolar, que ainda é conteudista. Não é desse tipo de “ajuda” que o surdo necessita. Ele precisa que sua língua, identidade surda, cultura surda sejam conhecidas, respeitadas, discutida sua condição de cidadão, de sujeito. Ouvintes decidem quase tudo pelo próprio surdo. Precisamos de surdos protagonistas. A escola pode contribuir muito para isso. Questões com essa envergadura dificilmente aparecerão na escrita de Redação do Enem, porque a escola não discute, a imprensa tão pouco. O discurso da inclusão ainda é falseado de uma beleza exterior e vazio em seu interior.

 

I Simpósio de Inclusão recebeu o 1º Encontro dos Estudantes Surdos do IFSP [foto: arquivo do IFSP]


 

IFSP – O I Simpósio de Inclusão, realizado em setembro de 2019, foi um grande sucesso, com ótima repercussão na comunidade. Quais são os planos a segunda edição?

 

Bizio - O Simpósio nasceu com o objetivo de dar às pessoas com deficiência o protagonismo do evento. Quase todo evento que uma pessoa com deficiência vai é para ver e ouvir, um participante. O nosso Simpósio mudou essa perspectiva: a pessoa com deficiência se posiciona por ela mesma. Assim, os palestrantes foram surdos de nossa Região, cadeirantes, pessoas com outras deficiências. Certamente seguiremos essa linha. Tivemos muitos surdos, tanto de outros câmpus do IFSP, quanto de nossa cidade (Votuporanga) e Região, inclusive um jovem surdocego. Nós do IFSP contamos, nesse Simpósio e em nosso cotidiano, com parcerias muito importantes, como o Instituto do Deficiente Audiovisual de Votuporanga (IDAV) e a Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos de Fernandópolis (APADAF). Além deles, tivemos as pessoas com deficiência do Recanto Tia Marlene com apresentação de capoeira, que emocionou todos os participantes.  Certamente há outras Associações e Institutos com os quais queremos firmar parcerias em benefício da pessoa com deficiência, do ensino público com qualidade, contudo sem perder a gênese do evento: a pessoa com deficiência como protagonista.

 

Partimos da perspectiva de  que unidos, com alvos e objetivos honestos, humanos, sem interesses pessoais, poderemos ultrapassar os mitos, as barreiras, desconstruir preconceitos que assolam as pessoas com deficiência.


 

A Biblioteca do Câmpus Votuporanga do IFSP receberá 2 (dois) exemplares do livro.  O email institucional do professor Lucimar Bizio é: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

 

 

 

 

 

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